BIÉ BARBOSA, jornalista e publicitário (UFMG), nascido em Pará de Minas em 22/11/53, é casado com Maíza Lage com quem tem 4 filhos. SEU LEMA: “O SENHOR É MEU PASTOR, NADA ME FALTARÁ”! |
VEJA NA EDIÇÃO1812: NAS BANCAS DE 24/04 A 30/04.
Veja também a crônica deste mesmo colunista da edição 1811 abaixo:
SENTIMENTO CONTRAMÃO, DIANTE DA MORTE
A morte, num 1º instante, sempre gera no reflexivo homem um pesado bloqueio. Não importa se a morte foi repentina ou esperada, porque, de certa forma, o que ele sente sempre a mesma coisa: plena aceitação e nenhuma revolta. Confidenciou-me que nos velórios e enterros, ele vê as pessoas chorando e nunca entende direito aquilo, porque não sente nada ou quase nada. Não sofre. Porém, passado um mês ou mais, vê aquelas mesmas pessoas, que choravam no dia do sepultamento, retomando as suas vidas, enquanto ele começa a se entristecer, dia após dia. Recentemente, algumas semanas após perder mais uma irmã, um cunhado dele enviou-lhe, pelo whatsApp, uma foto que o mostrava cuidando de uma alimentação dessa irmã, quando doente. Ao receber a foto que ele nem sabia que existia, atentou-se para o olhar da querida irmã para ele. Havia ali algo de admiração, amor e obediência... Ele ficou olhando, demoradamente, a foto aproximando-a e afastando-a, por meio de constantes zooms. Uma tia que estava por perto, aproximou-se dele e tentou consolá-lo:
- Sabe o que ela me disse, a um tempo atrás? Que você era como um pai para ela!
- Estranho isso, porque não consigo me ver assim... Onde ela foi arrumar isso?
Apesar de ter tentado fazer o descarte do que acabara de ouvir, aquela frase impregnou-se em sua mente como hera em muro úmido, fazendo-o voar no tempo, trazendo de volta os seus saudosos pai e mãe, com os 9 filhos - 6 moças e 3 rapazes - na grande cozinha da roça, ao redor do fogão de lenha. Estavam felizes, contando casos e rindo muito, esperando a chegada da meia noite de uma Sexta-Feira da Paixão, quando o pai matava um dos porcos, já separado dos outros suínos, no chiqueiro. Assim, toda a família, empolgada, começava a trabalhar a preparação das carnes, até altas horas da madrugada, bebendo e festejando, antecipadamente, o Sábado de Aleluia. Mais tarde, o pai, de tempo em tempo, levava um pedaço de carne ou torresmo já fritos, na boca da esposa e de cada um dos filhos, numa exemplar comunhão familiar. Essa cena fez aquele homem se ver, de certa forma, como pai da irmã enferma, já que ele, também, levava pequenos pedaços de manga Doce de Leite à sua boca. Só então, ele, finalmente, chorou aquela desencarnação e lágrimas ardentes queimaram o seu rosto, acompanhadas de uma abissal dor no peito. Enfim, um sentimento contramão, que só se aflora algum tempo depois do que sente a grande maioria das pessoas. É como se ele só conseguisse passar a limpo a morte, após madurá-la, vagarosamente, como um fruto no alto de uma mangueira.
E você, também tem sentimento retardado em relação à morte ou consegue externá-lo, no exato instante em que ela acontece? Uma boa leitura!