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Gentileza urbana, por favor - 20/08/2010

“A cidade é uma bela senhora/que hoje sorri e amanhã te devora.” Os versos, que transcrevo de memória, são do personagem Jumento, de Saltimbancos – ópera, infantil?, composta por Chico Buarque, na década de 70. É inspirada na Revolução dos Bichos, do norteamericano, George Orwell. Ainda que as palavras, todas, não sejam exatamente as originais do nosso compositor-modelo, o sentido é perfeito como ponto de partida destas linhas que pretendem pregar a gentileza urbana, mais do que apontar o dedo para os problemas. Não sei quanto a vocês, mas, para mim, trata-se de expressão mais ou menos recente, pós-moderna, eu diria. Ouvi, de fato li, pela 1ª vez, num artigo de urbanista mineira, cujo nome não me lembro, para o pasquim também mineiro, O Cometa Itabirano. Achei fenomenal. Na verdade, gentileza traduz o que nossas avós e mães chamariam de boa educação ou bons modos ou boas maneiras. Só que amplificadas e aplicadas na convivência coletiva. É, de fato, a capacidade que desenvolvemos – ou deveríamos – de viver em comunidade. É mais do que bom-dia, boa-tarde, por favor, com licença, muito obrigado. Implica respeitar os limites do outro, ainda que o outro não seja exatamente o mais próximo. Enfim, gentileza urbana, no frigir dos ovos, é troca, no melhor dos significados. Portanto, nada mais é que exercício de cidadania, de respeito aos direitos humanos. Partimos, sim, do umbigo, que é nossa casa conhecida: os direitos e desejos de cada um merecem respeito. Mas, vamos para o mundo. Afinal, somos indivíduos, mas não somos uma ilha: precisamos um do outro, e esse outro também tem direitos e desejos que devem ser respeitados. Cada um e todos temos direitos, desejos e deveres, obrigações – com a gente mesmo, com o outro; com nossa rua, nossa comunidade, com nosso bairro. Nossa cidade é nossa casa coletiva, comunitária. Quem anda por aí, sabe que, no geral, nem de longe é o que se vê. E não precisa ser alguém com necessidades especiais – físicas ou de qualquer natureza. Há sinais de civilidade no ar e em terra, sim. Na maioria das vezes, porém, a gente é levado a acreditar que o ser humano não está preparado para a vida coletiva. E aí, sobra espaço para o caos e para a violência, filha dileta da Babel. Cobramos do Estado, mas nem sempre fazemos a nossa parte. Gentileza gera gentileza, repetia, incansável, o profeta popular, Gentileza, que vivia no Rio, cruzou o país e já virou estrela. Mas sua profissão de fé deve continuar nos inspirando. É nos pequenos gestos que a humanidade que existe em cada um de nós se revela. Ou não. (SULAMITA ESTELIAM – Recife/PE)

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