Toda eleição tem a sua própria história. O 1º turno de 2010 tem como ingrediente exótico a eleição do palhaço Tiririca para a Câmara dos Deputados, com quase 1,4 milhão de votos, mais do dobro da votação obtida pelo 2º colocado. É preciso tentar entender qual foi a mensagem que o eleitor pretendeu transmitir. Tiririca fez uma espécie de anti-campanha, recorrendo a elementos da cultura circense, classificando-se como abestado e chegando a dizer que não sabe o que faz um deputado. Usou, inclusive, o bordão onde dizia que, votando em Tiririca pior não fica. Com isso, suplantou a todos e deixou do lado de fora muitos pesos-pesados da política paulista. Seria a reedição do cacareco, o simpático rinoceronte em quem, nos anos 50, o povo carioca descarregou seus votos de protesto? Independentemente da campanha fora do convencional, a sociedade e principalmente a elite política tem de entender que Tiririca, a partir de agora, é deputado federal e carrega consigo a representatividade da sua expressiva votação. Como sobrevivente que é – conseguiu fazer sucesso no circo e na tv – espera-se que tenha condições de fazer um bom mandato. A classe política vem, há tempos, amargando a silenciosa censura do povo-patrão. A eleição do próprio Lula, primeiro a deputado e depois a presidente da República, representou uma ruptura aos conceitos tradicionais de se fazer política neste país. E hoje, Lula é um dos governantes mais bem avaliados da história brasileira. Depois, tivemos a eleição de Clodovil e, hoje, a de Tiririca. Todos fora do convencional, mas bafejados pelo povo. Com a avalanche de votos que o levam a Brasília, Tiririca tem tudo para se tornar uma importante referência política. Seu mandato, sem qualquer dúvida, será um grande desafio, pois terá de cumprir as obrigações parlamentares, políticas, partidárias e protocolares, mas não poderá deixar de ser o palhaço em quem o povo votou, porque, se abandonar a indumentária, correrá o risco de um fiasco nas próximas eleições. Muitos artistas, futebolistas e celebridades que se elegeram revelaram-se políticos medíocres a ponto de não terem como pleitear uma nova candidatura e até de renunciar ao mandato antes do seu término. Mas nenhuma dessas figuras teve, até agora, uma votação do tamanho da de Tiririca. Espera-se que, para o seu bem e o da própria sociedade, tenha ele condições de desempenhar um bom trabalho e, até, interpretar para as elites políticas, o pensamento do povo que o elegeu. Se conseguir, mais uma vez, o sucesso lhe será garantido. No gesto simbólico de eleger o palhaço, o povo pode estar emitindo muitas mensagens que precisam ser corretamente entendidas e, principalmente, colocadas em prática. É importante entender o recado enquanto, ainda, ele é transmitido de forma pacífica. Cientistas, caciques e elites, estejam atentos... (DIRCEU GONÇALVES – São Paulo/SP).