Dolores Linhares Correa, aposentada, 96, filha de João Policarpo Moreira e Maria Linhares, viúva de Ciro Dias Correa com quem teve 4 filhas (Maria Célia, Lúcia, Maria José e Eliane), tem 17 netos e 32 bisnetos, falou, com total lucidez, com a reportagem GP. Não deixe de ler um pouco de sua comovente história.
AJUDANDO A MÃE VIÚVA – “Eu nasci em Conceição do Mato Dentro/MG, mas na época ainda se chamava Conceição do Serra. Posso dizer que não tive uma boa infância, porque, desde nova, tive de ajudar a minha mãe. Ela ficou viúva e tinha 10 filhos e, como eu era a mais nova, tinha que estudar e ajudar a minha mãe com os afazeres domésticos, porque os mais velhos trabalhavam na fábrica. Uma das coisas que eu fazia era levar comida para eles no serviço. Quando voltava, tinha que me arrumar correndo para ir para a escola, onde eu tinha muitas amizades, mas não gostava muito de estudar. Com 12 anos, tive de abandonar a escola, pois minha mãe estava doente e eu tinha de ficar em casa para cuidar dela”.
O CASAMENTO – “Depois de algum tempo, mudamos para Alvinópolis/MG, onde eu conheci o Ciro, mas não me lembro mais exatamente como nós nos conhecemos. Ele era um homem muito elegante e gentil, não tinha nenhum vício, muito trabalhador. Nosso casamento teve uma celebração muito simples e uma festinha de pobre (risos) só para os familiares e amigos próximos. O momento mais feliz da minha vida, foi no dia do nosso casamento. Ele trabalhou a vida toda como taxista para me dar o melhor. Contratou até uma empregada, dizendo que eu já havia trabalhado muito na vida. Ele foi um marido que eu vou te contar... Nós tínhamos um vizinho que era alfaiate e sempre perguntava para o Ciro quem cantava mais alto em nossa casa, o galo ou a galinha? O Ciro sempre respondia que era a galinha” (risos).
A DOENÇA DO MARIDO – “Com o passar dos anos, o Ciro começou a ter problemas de cabeça, teve um derrame e tivemos que nos mudar para Belo Horizonte, onde ele ficou internado em uma clínica. Como ele sempre quis me dar todo o conforto, eu também quis dar o mesmo conforto para ele. Aí, arrumei um enfermeiro particular que se chamava Jacinto para cuidar dele. O Jacinto era muito ligado ao Ciro e passava muito tempo com ele. Nos momentos de lucidez do Ciro eles conversavam muito e o Ciro sempre falava que gostava muito de mim e das nossas meninas das quais ele tinha o maior orgulho. Minha irmã, morava em Belo Horizonte e disse que nós não poderíamos voltar para Alvinópolis/MG. Então, eu fiquei morando com ela até me empregar. Meu cunhado, que era amigo do gerente de uma fábrica, me disse que iria me arrumar emprego. No outro dia, fiz o teste e deu tudo certo e 2 dias depois eu comecei a trabalhar lá. Durante algum tempo ainda, eu continuei morando com a minha irmã, mas depois de muita luta conseguimos uma casa para alugar, bem próximo do fábrica. Deus guiou tudo certinho para mim”.
PARÁ DE MINAS – “Depois da morte do Ciro, a mamãe disse que não estava se dando mais com o clima da capital e que não queria mais morar lá. Com isso, meu irmão João, que morava aqui em Pará de Minas, foi nos visitar em Belo Horizonte e minha mãe falou que não queria mais ficar lá. Então, ele chegou perto de mim e disse que eu tinha de resolver: ou continuava em Belo Horizonte e deixava a nossa mãe contrariada ou me mudava para Pará de Minas. Aí, eu disse que queria o bem-estar da mamãe. Isso foi em 1952. Ele arrumou serviço para mim, aqui em Pará de Minas, e me dava também toda assistência. Então, comecei a trabalhar, pedindo sempre a Deus que não deixasse eu adoecer, porque minha mãe e minhas filhas dependiam de mim. Às vezes, todos já estavam dormindo, mas eu estava na cama rezando, pedindo a Deus saúde para mim, para a mamãe e para as meninas... E Ele nos concedeu isso, porque eu venci. Depois da morte do Ciro, eu estava com 32 anos, mas nunca mais pensei em nenhum homem. Vivi apenas para a minha mãe e para as meninas. Sempre morei aqui, perto da antiga Cerâmica Raquel, onde eu comprava muitas coisas na mão da Lenita Diniz e de seu marido, Zé do Bimba. Eles sempre faziam um preço muito bom nos tijolos e nas telhas para mim. Gosto muito de morar aqui, todos são meus amigos e não tenho nenhum inimigo”.
MOMENTOS FELIZES – “Os amigos dos meus netos, todos eles, me chamam de avó e eu os trato como se eles fossem todos meus netos mesmo. Certa vez, quando eu era vizinha do casal João Ferreira (médico) e Iolanda Grassi, ela chegou na minha casa e me disse que o marido dela ficava impressionado como eu tinha ficado viúva tão nova, com a responsabilidade enorme nas costas de criar as filhas. Realmente, eu não tinha dinheiro para pagar colégio particular e toda a educação delas veio do berço mesmo. As minhas filhas foram criadas no eixo. Eu falava para elas que eu era inexperiente e que elas não tinham mais o pai; falava também como elas deviam proceder: para elas gostarem de todo mundo, terem educação ao tratarem as pessoas, não discutirem nem fazerem grosserias com ninguém... Uma coisa que eu jamais aceitei foi qualquer uma delas gritar comigo, porque eu sofri demais para criá-las e eu só quero amor por parte delas. Uma história que gosto de contar é que eu ganhei 2 prêmios aqui em Pará de Minas. O 1º foi o prêmio de 1ª Mãe Operária de Pará de Minas; e o outro foi o do Dia Internacional das Mulheres, quando a Cristina Teodoro veio aqui em casa e trouxe um fotógrafo para fazer algumas fotos de mim”.
MUITA REZA – “Todo mundo aqui em casa é muito católico e sempre vamos à missa, inclusive antes de você chegar aqui para a entrevista, estávamos rezando um terço, eu, minha filha Célia e algumas amigas”.
ESTAMOS PRESOS – “O mundo de hoje está péssimo, não existe mais família unida. Antigamente, a família era toda unida. Hoje, existe muita criminalidade. Não podemos nem mais ficar sentada na porta de casa à noite vendo o luar, porque podemos ser assaltadas a qualquer momento. Estamos presos e os bandidos soltos”.
* Quando o repórter GP foi se despedir da entrevistada, ela lhe perguntou: “Me conte uma coisa: a GAZETA é do Breno ou do Bié”? Isso, porque ela foi vizinha da família deles, a vida inteira.