Uma investigação do Juizado da Infância e da Juventude, no Rio de Janeiro, se deparou com uma cena assustadora em um dos principais hospitais públicos da cidade: corpos de recém-nascidos amontoados no necrotério, alguns sem identificação.
O Hospital Universitário Pedro Ernesto é referência em partos de alto risco no Rio de Janeiro. Por trás da porta do necrotério, uma descoberta chocante.
“Corpos amontoados, mal armazenados, uma situação estarrecedora. Difícil até de contar o que nós encontramos lá”, confessa a promotora Ana Cristina Huth Macedo.
A história pode começar a ser contada em junho de 2012. Uma mulher que não quer mostrar o rosto é usuária de crack e vive hoje em um prédio abandonado na Favela da Mangueira, na Zona Norte da cidade. Ela teve um filho no local, depois levado para o hospital. A irmã dela ajudou no socorro.
“Ficou na incubadora. O bebe nasceu pequenininho, prematuro”, lembra ela.
Carlinhos nasceu com seis meses e menos de 800 gramas de peso. Segundo os médicos, tinha poucas chances de sobreviver. E no dia 29 de agosto de 2012 acabou morrendo no hospital. O corpo foi para o necrotério, onde deveria ter ficado até a liberação dos documentos para o sepultamento.
Como a mãe de Carlinhos já havia abandonado a criança, o hospital avisou o Juizado da Infância e Juventude, como determina a lei nesses casos. Mais de um ano depois, em dezembro de 2013, o juizado procurou o hospital para confirmar as datas e encerrar o processo, mas descobriu que o corpo de Carlinhos ainda não havia sido enterrado. A juíza determinou, então, que o Ministério Público investigasse.
A promotora da Infância e Juventude foi até o necrotério do hospital com dois peritos para saber o que tinha acontecido. No necrotério, em vez do corpo de Carlinhos, encontrou os corpos de outros 40 bebês, alguns guardados há quatro anos. Quinze bebês não tinham sequer identificação.
“A gente precisa entender por que eles estão nessa situação, se houve falha da família ou do hospital”, destaca a promotora Ana Cristina Huth Macedo.
O diretor do hospital, Rodolfo Acatuassú Nunes, disse que o corpo de Carlinhos foi encontrado e que pode identificá-lo. Sobre a descoberta dos bebês no necrotério, ele justificou assim: “Na realidade, está havendo um problema social de as pessoas não buscarem os corpos dos seus filhos que infelizmente evoluem mal e acabam falecendo”.
“Quando uma criança é deixada no hospital e precisa ser sepultada, o hospital solicita a intervenção do Judiciário. É muito comum isso acontecer. A criança é deixada aqui e precisa ser sepultada, mas nós não temos a certidão de nascimento, não temos acesso à família. O Juizado intervém para que esse sepultamento possa ser feito”, afirma a promotora Ana Cristina Huth Macedo.
“Não se tem um prazo máximo para fazer o sepultamento. E você pode ter uma expectativa que o familiar vai vir pegar aquele corpo”, disse Rodolfo Acatuassú Nunes.
O diretor do hospital autorizou a gravação de imagens do necrotério, mas sem que a equipe de reportagem passasse da porta de entrada. Ele admitiu que houve falhas. Uma sindicância foi aberta para mudar os procedimentos do hospital.
“Na nossa concepção, essa mudança de rotina vai sedimentar para que isso não aconteça mais”, afirma o diretor do hospital, Rodolfo Acatuassú Nunes.
O Ministério Público vai exigir a identificação, por exames de DNA, de todos os corpos. O hospital terá que apresentar a lista com nome e endereço dos pais, e o diretor deve ser intimado a prestar esclarecimentos.
“Eu espero esclarecer a situação de cada criança e que isso se encerre com um sepultamento digno para todos os corpos que nós encontramos ali”, finaliza a promotora Ana Cristina Huth Macedo.
Fonte: G1