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ANO 41 - Nº 2051
20/12/2024


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A voz de ouro das manhãs patafufas - 22/05/2014

Para vencer na profissão para a qual realmente se tem vocação, a pessoa tem de lutar com garra e perseverança, deixando de lado as opções que poderiam ser apenas financeiramente mais interessantes. Existem em Pará de Minas algumas histórias assim, de abnegação, e a reportagem GP apresenta, desta vez, uma delas. Trata-se da radialista e apresentadora Myrtes Pereira, 53, casada com Waltinho Gottschalg, duas filhas, Tamires, 20, e Jéssica,18, e vencedora do Garra Profissional, no setor da Comunicação em 1988, 1999, 2002, 2004 e 2012.Vale a pena conferir um pouco de sua exemplar trajetória jornalística. “Quando cheguei na emissora (Rádio Santa Cruz), ela já fazia enorme sucesso junto ao público. O fenômeno se devia à diversificada programação, recheada de esporte, entretenimento, sorteios de prêmios, presenças de radialistas belo-horizontinos de peso e profissionais locais que começavam a se despontar, aliados ao orgulho da cidade ter uma rádio. Aos poucos, fui me inteirando daquele cotidiano em meio a uma correria louca da redação que funcionava na base da datilografia, do rádioescuta e dos gravadores enormes com fitas cassete. Durante o dia, as notícias eram curtas e à noite o jornal era maior. Eu tinha muita vontade de aprender rapidamente e para conviver mais com as feras da rádio ficava na emissora o dobro do tempo da minha jornada, até porque eu precisava de folga nos fins de semana, porque fazia muitos cursos de especialização, em Belo Horizonte”, relembra Myrtes. A REPÓRTER – “Depois, comecei a questionar o jornal noturno, por causa da concorrência com o horário nobre da tv e seu elevado volume de informações nacionais e internacionais. A diretoria respondeu que jornalismo local era muito caro e que estávamos no padrão das rádios do interior. Não me conformei e toda semana defendia mudanças. Um dia, o diretor Dinho Marinho azedou comigo, diante de tanta insistência, mas permitiu o lançamento do projeto, sob ameaça de me demitir, caso desse errado. Estruturamos o jornal e, com medo da concorrência da Itatiaia (rádio de BH), ele foi lançado às 11H e, só depois, às 8H. Foi muito difícil, porque a comunidade não tinha ainda o costume de se ouvir no rádio. A Santa Cruz funcionava no alto da Vila Maria, nem ônibus chegava lá. Era muita distância até as regiões centrais, onde as notícias aconteciam. Nosso repórter trabalhava de bicicleta, coitado (riso). Nas entrevistas com autoridades, o Chá de Cadeira era de 3, 4 horas e como não era possível fazer muitas matérias, elas costumavam ser enormes. Percebendo esses problemas todos, o diretor perguntou se não era hora de voltar atrás, com mais notícias enlatadas e eu pedi 24 horas para encontrar uma solução. Não dormi nessa noite, mas descobri a salvação da lavoura. No outro dia, entrei na sala do Dinho e disse que se voltássemos atrás, mataríamos o futuro da comunicação em Pará de Minas já que andorinha sozinha não faz verão e sem notícias locais outros veículos não seriam fundados. Assim, daqui a 25 anos, a cidade seria pobre de informações. Ele brincou rebatendo que não pretendia viver mais tanto tempo assim, mas eu respondi: Esse problema é seu, porque eu vou (viver). Passei, então, a dividir o tempo na redação com o das ruas, acompanhando o motorista da rádio nas entregas dos prêmios, em vários bairros. Ele me deixava num ponto e me buscava em outro. Eu andava muito, conversava com as pessoas, batia nas casas, entrava nas escolas e sempre perguntava o que a comunidade precisava. Assim, começamos a criar pautas mais variadas e bacanas e o retorno veio rápido”. A APRESENTADORA - “Eu trabalhava tanto que não tinha sequer tempo para ouvir o jornal. Um dia, o Jackson Campos entrou na sala e me pediu para substituir um locutor gripado. Neguei, mas ele insistiu demais e eu fui para o estúdio. Não gostei da experiência, mas a diretoria aprovou e virei apresentadora. Fazendo locução, comecei a detestar alguns textos que eu criava. Eles seguiam o padrão do rádio na época, mas eu estava achando que faltava alma. Aí, mudamos tudo: linguagem mais popular, serviços de utilidade pública, quadros variados, ficando muito mais perto da população”. A DISCRIMINAÇÃO – “Sofri muitas discriminações, sendo a mais forte a chuva de telefonemas que minha mãe recebeu de amigas aconselhando-a a não me deixar trabalhar em ambiente de rádio. Outra vez, cobrindo uma enchente na rua Sete Lagoas, ouvi isso de 2 senhores: Tão bonitinha, né? Poderia ter seguido uma profissão mais honesta. Em Belo Horizonte, na coletiva que antecedeu à posse do governador Hélio Garcia, fiz boas perguntas e depois, durante o café, perguntaram se eu era correspondente de Brasília ou São Paulo. Quando falei que era de Pará de Minas (interior), minha mesa logo se esvaziou”. O CORAÇÃO – “Eu era a única disponível na rádio, quando chegou a notícia de um acidente grave na BR-262, perto de Torneiros. Cheguei ao local e encontrei repórteres de toda a região, principalmente da capital. Assim como eles, comecei a passar as informações para a rádio, até o momento em que meus olhos se encontraram com os daquela mulher presa às ferragens do caminhão. Ela não se mexia, nem gemia, mas as suas lágrimas davam a dimensão de sua dor. Me senti um lixo, andando pra lá e pra cá, preocupada somente em buscar informação até perder a vontade de prosseguir com aquela reportagem. Aí, cheguei perto dela, segurei sua mão e comecei a falar, nem sei o quê mais, na tentativa de confortá-la. Ficamos de mãos dadas durante quase uma hora, até que ela morreu, sem receber socorro... Quando cheguei na rádio, soube pela telefonista que o público me crucificou, querendo informações constantes sobre o triste episódio”... OS SUFOCOS – 1.) “O repórter policial viajou horas antes de uma grande rebelião no Cadeião que ficava no Centro da cidade (na Delegacia de Polícia de Pará de Minas). Sobrou pra mim a cobertura e, acompanhada do saudoso delegado Lúcio Nogueira de Melo, fomos levantar o saldo da baderna. Num segundo de distração, me aproximei da grade da cela e fui fisgada pelos cabelos. Um preso ameaçou passar a faca no meu pescoço e o doutor Lúcio teve que negociar a saída dele para o pátio; 2.) Em fim de campanha, o presidenciável Tancredo Neves esteve na região e a assessoria dele informou que, talvez, ele atendesse a imprensa, em Nova Serrana/MG. Pedi ao (repórter) Amilton (Maciel) para distrair o segurança e entrei debaixo da enorme mesa de madeira. No meio da travessia, senti um puxão nos meus pés e gritei: Socorro, Dr. Tancredo. Segundos depois, eu já estava lá, ao lado dele. Os outros repórteres, quando chegaram, me questionaram como é que eu havia conseguido a matéria. Respondi a verdade, que havia pedido socorro, mas eles acharam que eu estava brincando; 3.) Outra situação de alta tensão aconteceu em São Paulo/SP, quando eu e um colega queríamos concluir uma monografia da Universidade São Francisco com uma entrevista do Lula, então candidato à presidência da República. A assessoria negou o acesso e a vigilância na sede do PT era enorme, mas nós ficamos do outro lado da rua, sob um sol escaldante, por umas 8 horas, observando tudo. De dentro da lanchonete, fiz um gesto para o porteiro e ele aceitou o copo de suco de laranja que levei, me dizendo, discretamente: O doutor Brizola vem daqui a pouco para uma reunião com o Lula e eu vou acompanhar o carro até o estacionamento aqui de baixo. Entramos quase agachados e subimos escondidos os mais de 30 andares, onde permanecemos até o fim daquela reunião. A gente ouviu vozes alteradas, murros na mesa e até alguns palavrões. Quando o Brizola saiu, nos arriscamos a aparecer na porta e, em meio à tremedeira, tentamos explicar nossas presenças ali, escondendo os detalhes. Os assessores foram ríspidos, mas o candidato teve dó da gente e aceitou a entrevista que durou quase uma hora. Ele só não gostou quando eu perguntei o que faria se perdesse para o Collor. Recebi um olhar gelado e uma resposta fria: Recomeço a campanha no outro dia, mas tira essa parte da entrevista, ok”? A RECEITA – “Hoje, procuro passar para os mais novos que precisamos estar sempre alertas às boas histórias com transparência, ética e responsabilidade. Defendo sempre a necessidade de mantermos o entusiasmo, de saber aonde queremos chegar, de dar novo brilho às reportagens com conteúdos interessantes e bem editados. A sociedade local nunca teve tanto acesso à informação como agora, mas, em compensação, nunca vi tanta futilidade como nos dias atuais. Fazer a diferença é o desafio de todo novo dia, sem falar na vontade de aprender um pouco mais e na humildade de reconhecer o suporte da família, dos colegas e dos amigos”.

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