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1° casamento de portadores de deficiência da cidade - 29/05/2014

Neste mundo cheio de preconceitos, felizmente ainda são vistas cenas em que o amor prevalece. Recentemente, a GAZETA recebeu uma ligação informando que havia acontecido em Pará de Minas o 1º casamento entre portadores de deficiência visual. Imediatamente, a reportagem GP foi atrás dessa curiosa notícia. Descobriu, assim, que esse casamento aconteceu na noite de 8 de fevereiro, sábado, com o Santuário da Piedade lotado. Trata-se de Maria Mônica Perpétua Rodrigues, 37, pedagoga, e João Paulo Amaro, 31, bacharel em direito, que relataram tudo para a GAZETA. Acompanhe. “Nos conhecemos em BH há 2 anos e iniciamos o namoro. Na verdade, já nos conhecíamos, mas só nos envolvemos dessa vez. Somos naturais de Pará de Minas, mas morávamos em Belo Horizonte. Fui para lá, quando perdi a visão aos 23 anos. Como nunca fiz cirurgia quem olha para mim até se assusta, porque acha que estou enxergando a pessoa. Isso acontece, porque não perdi a expressão do olhar. Há pessoas que acham que todo deficiente visual tem de ter olhos tortos ou deformados. Já o João tem deficiência no olho esquerdo, desde os 9 anos; aos 14, ele perdeu a visão do olho direito e hoje tem apenas 3% da visão. Já fez diversas cirurgias, mas não conseguiu voltar a enxergar”, relata Mônica. A ACEITAÇÃO – “Já exerci minha função (pedagoga), mas hoje não exerço mais. Não tive barreiras para aceitar a minha nova realidade, pois tive muito apoio da minha família. Para aperfeiçoar os estudos para deficiente visual fui para BH, 7 meses de ter perdido a visão, pois aqui só tem a Apae e lá tem escolas especializadas com muitos recursos. Aí, estudei o Braile (leitura para cegos) e aperfeiçoei meus estudos”, conta Mônica. O CASAMENTO – “Durante o matrimônio, tivemos o cuidado de ter uma áudiodescrição, quando um músico relatava o casamento para os 8 amigos deficientes visuais que estavam lá para que eles se interagissem, imaginando o cenário e os trajes das pessoas. Foi uma preocupação nossa, pois, quando vamos em alguma cerimônia, só ouvimos a música e não sabemos que está acontecendo. Então, achamos importantes essa áudiodescrição. Quem fez o roteiro para o músico foi eu, mas era um roteiro simples; aí, o músico pediu para ser um roteiro mais minucioso. Como tive uma certa dificuldade, liguei para minhas cunhadas para saber exatamente a cor da roupa de todos, como estariam vestidos com exatidão e o pessoal gostou muito. Foram 5 casais de cada lado de padrinhos e o casamento foi presidido por padre Moacir tendo o padre Eduardo Bartolomeu como auxiliar. Teve padre que reclamou por não ter sido convidado. A minha rotina de vida depois de casada é normal, porém tem algumas adaptações na organização das coisas. Se mudar alguma coisa de lugar tem de avisar pra gente (risos). Viajamos em lua de mel para Porto Alegre/BA sozinhos e as pessoas ficaram apreensivas por estamos sozinhas. Ficamos uma semana lá e foi super tranqüilo”! “Teve gente que já nos falou: Nossa, vocês 2 casados”? “Aqui em Pará de Minas, acho que somos o 1º casal com deficiência visual. Em BH, é mais comum por ter muitas pessoas que vão para lá estudar por ter escolas especializadas. Aqui tem poucas atividades, é tudo muito restrito. Poderia ser algo mais expressivo, ter mais atividades, biblioteca pública para cego, mas não tem... Sonho agora em ter a nossa casa própria, pois moramos de aluguel e aqui é 2º andar. Mas não temos dificuldades, porque estamos acostumados a nos adaptar. Afinal, morei em BH durante 13 anos e lá as dificuldades de locomoção são bem maiores, mas a gente se adapta rápido... queremos ter filhos também. Meus pais moram em Torneiros/MG e minha mãe já está acostumada comigo fazendo as coisas, tudo super tranquilo. Mexo com forno, panela de pressão, tudo igual a uma pessoa que enxerga. É uma vida normal, só tenho de fazer algumas adaptações, tipo para saber se o frango está assado, tenho uma técnica própria. Teve gente que já nos falou: Nossa, vocês 2 casados? Gostaria de ir na casa de vocês! Isso, porque eles imaginam que, por sermos independentes, a casa não vai ser uma casa muito limpa, vai haver algumas dificuldades, por não ser algo tão comum. Mas eu tomo conta da casa toda sozinha, não tenho quem me ajuda”. Veja agora o que disse João Paulo. “Quem enxerga pode deixar um monte de xícaras em cima da mesa, depois do café. Aí, vai fazer alguma coisa e, quando volta, recolhe tudo para lavar. A gente não, porque já pega as xícaras e leva para a pia. Mesmo se não vamos lavar naquele momento já deixamos tudo onde tem de ficar, pois a mesa é grande. Como fica se deixarmos para depois”? questiona João Paulo. A TECNOLOGIA – “Usamos bengalas para sair, mas tem também a tecnologia no celular, no computador que ajuda demais. Nos estudos, a questão de e.mail agiliza muito pra gente. No celular é a mesma coisa; tem um programa que fala pra gente. Então, se digitamos uma mensagem ou alguém liga, ele avisa. Tem agora o Iphone com um programa próprio que é só ativar. Tudo acessível, embora ser touch screen. “Um dia, pedi para alguém nos ajudar atravessar a rua e a pessoa falou: “Hoje não, já ajudei um” “Acontece muito aqui na cidade da gente perguntar que ônibus está no ponto e a pessoa não responder. O pouco que enxergo dá pra ver ela parada, olhando pra gente, mas não responde. Aí, perguntamos para outra que responde, mas responde de longe. Tem pessoas que tem receio de 2 deficientes visuais como nós ter se casado. Já ouvi muita gente falar que eu devia ter me casado com uma pessoa que enxerga para fazer as coisas para mim. Aí, eu pergunto: Eu tinha de casar, então, com uma empregada? A Mônica leva na esportiva, não se estressa. Eu fico com dó dessas pessoas por terem as mentes tão pequenas. Aqui tem muito deficiente visual, mas não são todos, que saem nas ruas. Em BH, tem muitos deficientes nas ruas... a cultura lá é diferente, pois, como têm muitos na rua, eles já ajudam normalmente. Aqui ainda não é tão comum assim... parece que agora é que está começando a abrir a mente das pessoas, está engatinhando ainda. Um dia, pedi para alguém nos ajudar atravessar a rua e a pessoa falou: “Hoje não, já ajudei um”. Outro nos respondeu: Ah, tá! e nem olhou para saber o que era ou quem éramos. Acho que a cidade precisa de uma estrutura a nível de informação para as pessoas saberem lidar com o deficiente e saber chegar para ajudar”.

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