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ANO 41 - Nº 2051
20/12/2024


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FALA LEITOR - 12/06/2014

A COPA QUE O GARRINCHA NÃO COMEMOROU Além de ter sido um período difícil para o Brasil, a ditadura militar foi quando tive minha casa metralhada. Estávamos todos lá, Garrincha, meus filhos e eu. Os caras entraram, metralharam tudo e nunca soube o motivo. Era 1970, já tínhamos recebido telefonemas e cartas anônimas... nos sentíamos ameaçados e deixamos o país. Acredito que fizeram isso por conta do Garrincha, mas também por mim, pois eu era muito inflamada, como ainda sou, de falar o que penso. Eu andava muito com o Geraldo Vandré (compositor e cantor) e devem ter pensado que eu estava envolvida com política. Mas eu sou uma operária da música e qual é o operário que não se revolta? Fomos para Roma, onde o Garrincha, que não tinha sido convocado para aquela Copa, estava em desespero por não estar jogando e não ter onde morar. Estávamos num hotel, vendo o Brasil ser campeão. Foi quando o Juca Chaves (compositor e cantor) foi comemorar na Piazza Navona, onde fica a embaixada brasileira. Estávamos trancados em um apartamento e o Garrincha queria sair de qualquer maneira: queria participar da festa, mas, ao mesmo tempo, estava altamente deprimido. Ele perdeu a casa, teve de deixar o país e não sabíamos como voltar. Enquanto se celebrava o fato de o país se tornar o 1º tricampeão na história da Copa do Mundo, o Brasil fazia barbaridades com sua população. O Garrincha sentia um misto de alegria e dor, porque ele queria comemorar, mas, ao mesmo tempo, sentia repulsa por tudo que nos havia acontecido. Imagine o que é para um homem que, para mim, está acima de qualquer nome no futebol brasileiro, ser mandado embora do país. Isso já é tenebroso, vergonhoso; imagine, então, esse homem vendo aquela conquista, confinado numa selva de pedra, no exterior, sem entender nada, sem saber o que havia acontecido em nossa casa. Aquela foi a época em que ele mais bebeu... não saia de casa, pois tinha vergonha de ser visto embriagado. Eu fazia de tudo para ele não beber, mas não adiantava. Era tão grande a minha angústia que eu tinha vontade de invadir a embaixada brasileira, em Roma/Itália. Mas segurei a onda. Continuamos vivendo num hotel e tivemos grande ajuda de Chico Buarque e Marieta Severo (compositor e cantor, na época casado com a atriz). Eles tinham se exilado na cidade e foram dois amigos de alma. Ali, eu tive um bom empresário, trabalhei muito e fui ganhando o dinheiro com o qual pagava todas as contas. Durante um jantar, conheci Ella Fitzgerald que estava fazendo shows com repertório de Bossa Nova e teve um problema de saúde e eu acabei substituindo-a. Mas, quando descobriram que eu estava trabalhando na Itália sem documentação, tivemos de sair de Roma. Aí, fomos para Portugal onde ficamos por um tempo. Um dia, estávamos no Cassino Estoril, perto de Lisboa, e encontramos o apresentador (de tv) Flávio Cavalcanti e o Maurício Sherman que dirigia um programa na Tv. Tupi. Eles deram ao Garrincha uma camisa do Brasil, querendo homenageá-lo... Mas quem queria camisa da seleção, naquela altura? Garrincha disse para eles: - Obrigado, mas cadê minha casa, cadê minha moradia? Já vesti a camisa do Brasil anteriormente, já dei tudo que eu poderia ter dado ao Brasil. Passados 50 anos do golpe, ninguém jamais tomou nenhuma atitude sobre o que nos aconteceu naquele 1970 e eu continuo brigando pelo Mané (como ela chama o marido Garrincha), até hoje. Quando eu canto o Meu Guri (de Chico Buarque), canto com muita força, homenageando o Mané. Ele e o Chico Buarque são os dois guris de minha vida. (ELZA SOARES, 76, cantora, Rio de Janeiro/RJ).

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