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Filha de patafufos é vereadora na França - 12/06/2014

Recentemente, a reportagem GP tomou conhecimento de que uma filha de pará-minenses, chamada Sílvia Capanema Pereira de Almeida Schmidt, 35, casada, grávida pela 1ª vez, é atuante vereadora em uma cidade da França. Pesquisando, o jornal descobriu que ela, que é formada em jornalismo pela UFMG, fez mestrado e doutorado em História, e pós em Letras e hoje é professora na Universidade Paris 13, Pres Sorbonne Paris Cité, onde, apesar de ser historiadora, ministra aulas língua portuguesa, cultura e história de Portugal, Brasil e América Latina. A reportagem GP fez contato com Sílvia, pela internet. Veja, em resumo, o que ela disse. “Meus pais [Wilson Pereira de Almeida (engenheiro) Regina Capanema de Almeida (médica)] e meus 4 avós eram de Pará de Minas. Nasci e vivi em Belo Horizonte, até os 22 anos, quando vim morar na França, através de um intercâmbio de graduação entre a UFMG e a Universidade de Clermont-Ferrand; isso em 2001. Fiquei um semestre e me encantei com o país. Morei no interior e foi ótimo, pois pude morar na residência universitária dos estudantes, fazer muitos amigos, aprender muitas coisas e conhecer uma outra França que não é a dos livros didáticos e da imagem brasileira que se resume à comida, perfume, moda e Paris. Um país muito mais dinâmico com muitos idosos, mas também com jovens e crianças, muitos imigrantes e suas culturas, uma história política muito interessante, muita solidariedade entre as pessoas e, principalmente, muita valorização da cultura em todos os seus domínios. E uma presença forte do Estado, através dos cidadãos, amenizando as desigualdades sociais, sem falar em transporte, saúde pública, comércio, lazer, etc. Um mundo muito rico mesmo! Claro que, no início, foi difícil, principalmente no inverno, mas aprendi a falar a língua rapidamente e isso ajudou. Fiquei 6 meses, voltei para o Brasil para me formar e, depois, voltei para cá, pois já estava inscrita no mestrado. Fiz mestrado e doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, uma excelente instituição de pós-graduação apenas. E, como não obtive bolsa do Brasil, pude me integrar ao sistema daqui. No mestrado, eu trabalhei em várias funções, até mesmo no aeroporto Charles de Gaule como agente de check-in e embarque para uma empresa que prestava serviços para a Varig. Depois, no doutorado, fui professora leitora e, depois, professora doutoranda em duas universidades. Quando terminei a tese, passei num concurso para professor na Universidade de Paris 13, onde estou trabalhando, desde 2010. As coisas deram certo para mim, mas também contei com ajuda de muitas pessoas e sempre fui atrás”, resume Sílvia. VIDA POLÍTICA – “Em 2005, me casei com René Schmidt, que é franco-brasileiro (a GAZETA até fez uma matéria sobre o nosso casamento). Em 2010, obtive a nacionalidade francesa. Morei em Paris durante quase 9 anos. Depois, decidimos nos mudar para a periferia, em busca de mais espaço e possibilidade de comprar um apartamento mais em conta. Aí, viemos para Saint-Denis, no fim de 2010, mas já com uma boa situação como funcionária pública, professora universitária, cidadã francesa, proprietária de nosso pequeno apartamento, etc. Aqui, fiz novos amigos e entrei de vez na militância política, sensibilizada pelas questões da cidade (...). Acho que essa experiência política vai me conduzir para outras áreas e, talvez, aborde uma dimensão comparativa, França/Brasil, pois estou tendo acesso a muitas coisas daqui também. Desde pequena, ouvia meus pais sempre falarem de política e a leitura era uma hábito na nossa casa. Mas eles não eram militantes, nem engajados. Então, meu gosto foi desenvolvido mesmo, através do contato com colegas de escola como nas eleições de 1989 (eu tinha 10 anos), etc. Duas amigas minhas eram filhas de militantes do PT. Então, a minha virada mais à esquerda se fez, a partir do 2º turno das eleições de 1989 em diante. Participava com as minhas amigas e pais delas das manifestações, comícios, etc. e gostava muito disso. Em 1995, fiz parte do Grêmio Estudantil do Colégio Loyola. Foi uma experiência que me marcou muito. Na Universidade, me aproximei um pouco dos movimentos estudantis, mas não era muito ativa, estava mais envolvida com os grupos de pesquisa e na atividade de bolsista de iniciação científica. Aqui, na França, eu e meu marido participamos de muitos eventos, passeatas, etc, mas sem nenhum vínculo com organizações. Foi depois de nos mudarmos para Saint-Denis, ter a cidadania francesa e militar nas eleições presidenciais de 2012 para o candidato da Frente de Esquerda que resolvi aderir ao Partido Comunista Francês, de forma bem ativa. Rapidamente me deram a responsabilidade de criar e editar um jornal (Saint-Denis, la Citoyenne (Saint-Denis, a Cidadã)) que hoje está em sua 5ª edição. Foi muito importante chegar a uma periferia popular, onde há muitas pessoas que são vistas, em outros lugares e por discursos elitistas, como a escória da França (negros, africanos, árabes, muçulmanos, ciganos, imigrantes, classes populares e trabalhadores pobres). Aqui, eles vivem com dignidade, na maior parte dos casos. Fiquei muito impactada pelo esforço da cidade em trazer transportes públicos, serviços públicos, garantir moradias sociais e combater a especulação imobiliária, batalhar por escola pública de qualidade para todos, urbanismo, cultura, etc. Vi o esforço da prefeitura, que é administrada desde o fim da 2ª guerra por quadros do PCF e outros partidos de esquerda. Percebi que estava em sintonia com eles, pela minha experiência de ver a profunda desigualdade e periferias extremamente precárias no Brasil. Isso tudo me sensibilizou para a política e, em 2014, me propuseram para entrar na lista como candidata na condição de elegível. O início, eu não quis, pois já tinha muito trabalho e estava grávida (agora, de 8 meses). Mas depois aceitei e hoje vejo que grande oportunidade meus companheiros e militantes me deram! Tenho de corresponder atuando para eles e para a população”. SUBSÍDIOS POLÍTICOS – “Mexer com política nos 2 países. No Brasil, os vereadores têm melhores condições financeiras e materiais que aqui (...). No caso de Saint-Denis, uma cidade com mais de 100.000 habitantes, somos 42 vereadores da maioria, contanto com o prefeito, e 13 da oposição. Então, conseguimos executar a maior parte dos projetos, se tivermos verba. A cidade até recebe muita verba, pois tem programa sociais de excelência e é também um polo empresarial importante ao norte de Paris. Mas com a nova política europeia de austeridade, vamos ter menos recursos e isso vai dificultar as coisas, pois as necessidades são enormes e muita coisa da vida local é feita pelos municípios. Aqui, vereador não tem salário, apenas uma ajuda de custo, de acordo com a sua disponibilidade. Os cargos com mais responsabilidade têm remuneração maior, pois supõe-se que a pessoa vai ter de diminuir ou largar sua atividade profissional. Mas, em todo caso, até o salário do prefeito dificilmente ultrapassa uma relação de 4 vezes o salário mínimo. O salário mínimo aqui está em torno de 1.430 euros (4.354 reais) e o do prefeito está em torno de 4.500 euros (13.701 reais), em valores brutos. A ajuda de custo de um vereador sem pasta especial é de 270 euros (822 reais), pois presume-se que ele vai continuar a sua atividade profissional normalmente”. DIFICULDADES – “Os problemas de maior relevância vividos na França atualmente são: desemprego, concentração de renda e os efeitos da política de austeridade comandada pela União Europeia. Seria preciso pensar em outro modelo, com mais divisão de renda e menos concentração nos grandes grupos, bancos, acionistas como tem denunciado pelo mundo o economista francês Thomas Piketty. A atual política da união europeia é tentar, através dos cortes sociais, que os países sejam mais competitivos com os países emergentes e asiáticos, sobretudo, que só têm criado pobreza e recessão, além de retrocessos sociais em conquistas como as pensões, a seguridade social e muitas outras que existem há mais de 70 anos (...) BRASIL – “Vejo os programas sociais como transformadores no combate à miséria (Bolsa Família, etc.) e deveriam ser inscritos na Constituição de forma perene para que a população não pense que se trata de ajuda de um ou outro governo, mas de direito adquirido, enquanto for preciso amenizar a miséria. Mas é preciso uma reforma política, pois a política está muito desacreditada por aí com todos esses escândalos de corrupção; e também uma reforma tributária” (...). A Copa do Mundo chega evidenciando esse gosto amargo de um elitismo sempre presente e constante no Brasil, de uma cultura de levar vantagem e sempre ganhar mais. Venho repetindo uma coisa: nunca houve um pacto social no Brasil e isso deveria ser feito para realmente ser criado um país, um Estado, e não somente uma nação”. “Os franceses vêem os brasileiros como inferiores, ingênuos, exageradamente alegres, quase um pouco ridículos” “Tem melhorado a visão francesa do Brasil: *os estudantes enviados pelo governo brasileiro para a Europa e o mundo têm impressionado bastante. Mostra que no Brasil há outras coisas além de futebol, samba e caipirinha. Coisas que adoro, mas que não podem resumir o nosso país. Mas os estudantes deveriam atuar mais na sociedade e não ficarem tão fechados em grupos de brasileiros; * o crescimento econômico também impressiona e muitos franceses querem trabalhar com os mercados brasileiros. Muitos se mudaram para o Brasil e abriram negócios, outros trabalham daqui; * enfim, a relação entre os 2 países e povos é geralmente boa, sem conflitos. Mas muitas vezes há ainda o preconceito e desconhecimento por parte dos franceses que vêem os brasileiros como inferiores, ingênuos, exageradamente alegres, quase um pouco ridículos. Isso passa pelas piadas, mas sentimos que há um fundo de verdade nelas; * Oscar Niemeyer é uma referência muito importante, assim como Paulo Freire e Jorge Amado, dentre outros, o que ajuda a modificar a ideia do Brasil como um país retardado, em todos os sentidos. Mas eu também acho que os brasileiros são muito preconceituosos com os outros povos e até com os franceses. Os estereótipos daqui também existem aí; * eles acham o Brasil um charme. Um lugar alegre e isso seduz. O brasileiro é sinônimo de simpatia como bem cantam as canções de Jorge Bem que é conhecido por aqui, mas também estão conscientes dessa insatisfação popular dos últimos meses. Mas vêem essas manifestações como democráticas; * em geral, são simpáticos ao Lula e aos últimos governos, pelo resultado econômico e avanços sociais, mas temem a violência do Brasil”. PARÁ DE MINAS - Passei boa parte da minha infância e adolescência indo a Pará de Minas, nas férias. Passávamos todos os natais aí e me lembro de andar a pé com os meus primos, sozinhos, pela rua Direita, etc. Tenho lembrança das procissões, do Patafufo e do Colorê, entre outras. Na adolescência, as minhas 1ªs saídas noturnas foram em Pará de Minas, no Bar do Geraldinho, mas sobretudo na Girus. Minha tia Angélica, irmã do meu pai, levava minha irmã Cristina e eu para sairmos com ela, antes de termos 15 anos. Isso era o paraíso para nós! Vivemos muitas coisas boas e formadoras em Pará de Minas. Depois do nascimento da minha filha, quero voltar a Pará de Minas. Faremos viagens pessoais e também a trabalho. Tenho congressos em outubro e novembro em São Paulo/SP” (...).

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