Filha de Percilia Ribeiro e Limirio Carvalho, Francisca Percilia nasceu em 2 de maio de 1913 e foi casada com Manoel Albino Miguel, com quem teve 5 filhos, sendo 2 gêmeos que faleceram com um dia de vida. Os outros 3 são Luzia, 69, e Nair, 67, solteiras, e Maria, 64, que tem 3 filhos e uma neta. Foi Nair que contou um pouco da história de vida de sua mãe que se encontrava bem debilitada, quando a reportagem GP chegou à sua casa. Confira.
“Minha mãe teve uma infância muito sofrida, pois com 5 anos perdeu a mãe e, quando ela tinha 7 anos, meu avô também faleceu. Eles moravam em Pinote, povoado perto de Biquinha/MG. Como eram muitos irmãos brincando e correndo dentro de casa, minha mãe esbarrou na tia dela que estava passando com uma panela de água fervendo. Ela se queimou todinha, costas e o braço... tem cicatrizes até hoje. Isso aconteceu pouco antes da mãe dela morrer. Depois da morte dos pais, os 8 irmãos foram divididos entre os familiares, sendo que minha mãe foi morar com a irmã mais velha, a Maria das Dores. Mas ela não gostava de jeito nenhum. Queria ficar no povoado de todo jeito junto com a imã. Quando ela ia na casa onde tinha ficado essa irmã, ela se escondia no meio do mato para a tia não a levar de volta... Ela chora até hoje a perda da mãe e da separação da família. Isso foi motivo para ela sofrer a vida inteira”, suspira Nair.
ATIVA E CORAJOSA – “Ela ajudou a criar os 8 filhos da tia Laudelina, mas ela sempre falava que nunca entrosou com ninguém, porque não tinha amigos, colegas, não saia com as primas, não gostava de dançar... Ela vivia no meio do mato e gostava de andar com 3 irmãs beatas, solteironas devotas de Santo Antônio. Quando a família da tia dela já estava criada, ela foi morar com o irmão e a esposa dele. Era muito amiga dessa cunhada, Vicentina, vindo a ser madrinha do 1° filho dela. As duas comadres pareciam unha e carne. Mamãe sempre foi uma pessoa ativa e, mesmo sendo analfabeta, começou a trabalhar nas fazendas. A patroa dela falava que, quando ensinava uma coisa para ela, não precisa falar outra vez. Entendia tudo, da 1ª vez. Também era forte e corajosa. Uma vez, matou uma jiboia com o machado. Ela viu aquela cobra enorme matando uma galinha, passou a mão no machado e matou ela, na hora”.
AMOR X PRECONCEITO – “Ela gostava do primo Vicente... até hoje ela fala dele, mas ele não quis. Trabalhando em fazendas, ela conheceu meu pai que era moreno (negro). Foi uma história muito complicada... Ela se casou com meu pai aos 30 anos, mas a família dela não aceitou por preconceito de cor. Todos ficaram de mal dela. Um dia, viemos de Morada Nova/MG para os arredores de Pará de Minas em um caminhão pau de arara que nos deixou em uma esquina, no escuro, às 2H. A ideia era começar a estudar em uma cidade nova, pois lá não tinha escolas. Aí, minha mãe começou a fazer amizades que ela conserva até hoje”.
TRABALHO – “Aqui, meu pai continuou na lida da roça e ela era lavadeira. Ficava na maior alegria quando recebia o dinheirinho dela e passava na venda para comprar os mantimentos. Não gostava, de jeito nenhum, de morar de aluguel. Queria de todo jeito a casinha dela. Por isso, levava uma vida de luta e muito trabalho. Hoje em dia, ela fica nervosa e chora, dizendo que nós, suas filhas não a deixamos trabalhar mais... O sonho maior da minha mãe era ter um comércio e ela teve. Permanecemos com ele por 12 anos, vendendo os doces que ela mesmo fazia. Há 3 anos, porém, tivemos de fechar para cuidar dela”...
FÉ – “Ela tem a vida espiritual muito intensa, nunca largou a igreja. Todas as igrejas têm um sinal dela. Sempre era amiga dos padres. Nos arrumava para irmos trabalhar e ia para a igreja e assistia todas as missas na Escola Estadual Fernando Otávio, na época dos freis, tinha missa de hora em hora. Nessa época, o trabalho dela era um só: buscar lenha no alto da Vila Maria e, depois, rezar. A gente morou em muitos lugares, mas, nessa época, a gente morava em uma casa do Sinato”.
MOMENTOS FELIZES – “O maior prêmio que Deus deu para ela e que ela não teve na infância, nem na juventude, ela teve só agora, a partir de seus 97 anos, quando estamos comemorando os aniversários. No de 97, nós chamamos o carro do telemensagens. Pegamos todo mundo de surpresa. Fiz uma poesia e uma canção para ela, porque a gente ficava com um pé atrás, pensando se ela chegaria aos 100. Quando chegou fizemos uma festa que durou 4 dias com os parentes e amigos que vieram. Só de bolo foram 3. Temos tudo registrado”.
CURIOSIDADES – * “Para passar o tempo, ela rasga pente de ovo para jogar na horta; * Quando ela ainda cozinhava, usava um palito de fósforo e guardava para colocar na horta. Dizia que a terra vai aumentando com isso; * O resto das verduras, ela picava pequeno, deixava secar e depois jogava lá; * A água de roupa que ela usava para lavar, quando terminava, ela também jogava nas plantas; * Problema de saúde, ela não tem nenhum, só a idade mesmo; * A trancinha que ela faz é famosa, porque parece uma cobrinha; * Todo mundo que chega aqui fica querendo tirar uma foto com ela”.