Quando vivia nas ruas pedindo esmola, o modelo Adriano Lugoli gastava todo o dinheiro que ganhava comprando crack e se alimentava apenas de pipoca. Com 1,80 metro de altura, o modelo pesava 60 quilos e era chamado de feio por pessoas que nem conhecia. “Eu estava feio de dar medo. As pessoas diziam ‘cara, como você é feio, você é muito feio’. Eu era pele e osso, parecia uma caveira”, lembra. Dez anos depois, pesando 70 kg, as fotos do ex-viciado estampam propagandas na traseira de ônibus, ele desfila para lojas de roupa de banho e já participou de um comercial com Ronaldo Fenômeno e de um videoclipe com a cantora Ellen Oléria.
Morador do Gama, região administrativa a 35 quilômetros de Brasília, Lugoli nasceu e cresceu com os irmãos e a mãe em uma casa de classe média baixa em Uberlândia, em Minas Gerais. O vício começou aos 20 anos, em uma fase “festeira”, em que o uso de álcool, cigarro, e maconha era comum. “Depois, conheci as festas raves e fiquei apaixonado. Tomava 'bala' [ecstasy], que faz tudo mudar de cor, e achei que as drogas não eram ruins como falavam.”O crack foi oferecido por uma moradora de rua. “Um dia, estava bêbado e uma mendiga traficante ofereceu crack para mim e para o meu amigo. Eu fui na onda. Experimentei e vi que era diferente”, diz. Apesar de lembrar que a droga não o deixava tão alegre quanto as outras que experimentara, Lugoli voltou a usá-la repetidas vezes. “Trabalhava com telemarketing na época e, assim que recebia o salário, falava ‘vou pegar só R$ 50’, e quando via, já tinha gastado R$ 300. Daí, foi ficando pior e eu chegava a gastar meu salário todo.”
Sem dinheiro para comprar mais pedras de crack, Lugoli começou a vender seus pertences, inclusive as coleções de CDs de rock que tinha há anos. “Tinha coleções inteiras e vendi um por um. Eu também tinha um teclado e cantava, mas fui vendendo, vendendo tudo”, diz. “Quando acabaram as minhas coisas, comecei a pegar salário do meu irmão e da minha irmã, que trabalhava no McDonald's. Ela estava concluindo a faculdade, e eu vendi os livros dela. Eu não tinha mais nada. No meu quarto, só tinha a cama.”
A gota d’água para os familiares foi quando, para comprar mais pedras de crack, Lugoli vendeu o presente que o irmão havia comprado de aniversário* para a mãe. “Era um sofá novo, um DVD e uma televisão de 29 polegadas, já que a gente tinha a mesma televisão desde criança. Eu peguei o DVD, que era a única coisa que dava para carregar, e entreguei para o traficante”, diz. “Quando voltei para casa para pedir perdão, chamei, chamei, mas não abriram a porta. Foi aí que virei mendigo.”Vizinhos e amigos ainda tentaram acolhê-lo, mas o jovem era sempre despejado. "Eu acaba sempre aprontando e perdi a credibilidade total na cidade", diz.
A partir daí, ele começou a pedir dinheiro nas ruas. “Assim que inteirava R$ 5, ia para a boca de fumo. Não conseguia inteirar nem R$ 50. Se alguém me desse R$ 5 eu voltava lá e fumava”, diz. “Para me alimentar, pegava 15 centavos e comprava uma pipoquinha.”
Dormindo ao relento, com roupas furadas, sem sapatos e sem tomar banho por dias seguidos, Lugoli ainda recebia a visita da mãe. “De vez em quando eu ia dormir em um bar e ela levava comida para mim em uma vasilha de sorvete. Ela diz que tem trauma até hoje daquela vasilha”, diz.
Entre as piores memórias dos anos em que viveu nas ruas, Lugoli se lembra da vez em que surpreendeu até os colegas usuários de droga. “Os traficantes geralmente pegam pedras de crack de R$ 5 e enrolam em plásticos e colocam embaixo da língua. Se a polícia chegar, eles engolem", diz. "Um dia, uma traficante me disse que havia engolido dez pedras e que, se eu quisesse, poderia ficar com as pedras quando elas saíssem. Eu quis. E você sabe como as pedras, saem, né?”A família tentou buscar várias soluções para tirar o filho das ruas - alugou quartos em pensões e chegou até a tentar trancá-lo em casa, mas Lugoli sempre voltava a usar drogas. Foram dois anos dormindo no chão e em casas abandonadas, totalmente entregue ao vício.
Em uma das ocasiões em que foi buscar comida na casa da mãe, a irmã, com quem havia rompido, conseguiu convencê-lo a se tratar. “Um dia ela me sacudiu, ajoelhou no meu pé e disse: ‘Deixa eu te ajudar, você está doente. Igual uma pessoa que tem câncer tem que ir para o hospital, você tem que ir para uma casa de recuperação”.
Na casa de internação, no entanto, Lugoli reencontrava amigos da rua, também usuários de droga. “Comprava kit de higiene, roupa, papel higiênico para me internar, mas lá ficava naquele papo com meus amigos de rua”, disse. “Vendia tudo e saía para comprar mais crack.”A família sugeriu então que ele fosse para uma clínica de internação longe de casa, em Luziânia, no Entorno do DF. As idas e vindas, entretanto, continuaram. Em uma das ocasiões em que abandonou a clínica e voltou para Uberlândia, a mãe o encontrou pedindo comida na porta de uma casa. “Na hora em que eu estava colocando macarrão dentro de um pão, minha mãe passou na rua”, conta. “Ela ficou muito triste, disse que as orações dela haviam sido em vão. A mala que eu tinha trazido já tinha entregue para o traficante. Eu não tinha mais nada.”
Arrependido, ele implorou mais uma vez por ajuda à mãe. A clínica de Luziânia, no entanto, não queria mais aceitá-lo. Somente após muita insistência da família, os diretores decidiram recebê-lo, sob a condição de que ele ficasse internado seis meses ininterruptos.“Não sei falar o que mudou. Acho que foi ver minha mãe. Me veio à consciência que eu ia morrer, e me deu vontade de viver", diz. "Me mandaram para uma fazenda e, dessa vez, fiquei firme mesmo. Os outros caras [dependentes químicos] se revoltavam, tinham raiva de mim. Eu me apeguei muito à Deus nessa época, pedi muito a ajuda de Deus.”
Um dos trabalhos que os dependentes tinham que cumprir na casa de recuperação era vender mel para arrecadar fundos para o centro. Quando já estava preparado para sair do centro sem a supervisão de funcionários, Lugoli passou a vender o produto em ônibus de Brasília, onde ele contava sua história.
“No dia 4 de outubro de 2005, depois de seis meses, deixei a clínica. O pessoal da igreja me deu muita força, me ajudou a achar um lugar para viver. Fui morar em uma quitinete no Gama que foi alugada no nome de outra pessoa, que me ajudou, e decidi não voltar pra Uberlândia", diz.
Pouco tempo depois, Lugoli conheceu uma jovem na igreja, com quem se casou. Quando a mulher engravidou, o casal fez um ensaio fotográfico, e as fotos foram postadas nas redes sociais. Os amigos, surpresos com a fotogenia de Lugoli, o incentivaram a procurar uma agência de modelos.“Nunca gostei de tirar foto, nunca me achei bonito. Na escola, eu tinha os piores apelidos. Tenho uma etnia muito forte, muito bem definida, sou ‘africano’ mesmo, mas existe preconceito. Nunca pensei que poderia ser modelo”, disse. “Mas, na agência, me disseram exatamente o contrário, que minha etnia forte iria me ajudar a fazer muita propaganda. Aquilo que eu achava que era ruim foi a marca que me ajudou a fazer várias propagandas.”
O primeiro comercial foi em 2009, com a participação de Ronaldo Fenômeno. “Daí para frente fiz um catálogo de uniformes, fiz uma propaganda do Disque-Racismo da Secretaria de Igualdade Racial, que foi para todos os ônibus de Brasília. Comecei com figuração e fiz vários comerciais, várias propagandas de revista. Também gravei uma participação no clipe da Ellen Oléria e desfilei na Capital Fashion Week”, diz.Atualmente, Lugoli trabalha como despachante, mas sonha em crescer na carreira de modelo e trabalhar como ator. Para manter a forma, ele conta que malha de domingo a domingo. “Muita gente me chama de metido quando vê uma foto minha porque não conhece minha história. Mas eu gosto da minha imagem, e posto muitas fotos porque, quando olho, não acredito.”
Divorciado, o modelo conta que os dois filhos, de 3 e 6 anos, são os “alicerces” de sua vida. “Eles são a certeza de que não vou regredir”, diz. “Converso muito com eles porque acho que muita gente entra nessa por falta de conhecimento. É preciso mostrar que tem um lado bom e o ruim das drogas. O bom é enganoso, mas existe”, diz.
Lugoli diz que já deu palestras contando sua história e que, ao final delas, muitas pessoas chegam para abraçá-lo e conversar com ele. “Tem gente que fica feliz em saber que tem solução para o tio, para o filho. Tem muita gente perdida sem saber o que fazer e não acredita que tenha saída, já que o próprio familiar também fica doente com essa história toda", diz.
"Mas tenho muito incentivo da minha família e nunca mais olhei para trás. Às vezes paro e penso: 'caramba, a única certeza que tenho na vida é que não vou voltar para aquilo'. Amo muito pegar um dinheiro, ir ao cinema, ver um filme 3D com meus filhos. Minha vida é só celebração, tudo é motivo de celebração, porque estive à beira da morte.”
FONTE:G1