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Ensino brasileiro: a ferida nunca sangrou tanto - 23/10/2009

Os graves transtornos que o vazamento das provas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) causou a mais de 4,1 milhões de estudantes de todo o país e aos vestibulares que iriam utilizar seus resultados têm de ser investigados a fundo e a sociedade informada das providências. Mas isso pode ser a parte pequena de todo o problema. Toda a fragilidade encontrada no sistema – só descoberta porque os marginais procuraram a imprensa séria para vender a prova - pode estar projetada também nos milhares de concursos que se realizam para cargos públicos, muitos deles de alta relevância e polpudos salários. Só em 2009, 5 milhões de brasileiros participaram de certames para o preenchimento de 120 mil vagas, a maioria do governo federal. E quem garante que esses concursos são efetivamente seguros, sérios e, principalmente, que os candidatos aprovados são, de fato, os mais preparados e que melhor desempenho tiveram nas provas? Surgidos sob a égide de oferecer oportunidades iguais a todos e acabar com o tráfico de influência, os concursos fizeram florescer um gigantesco mercado onde operam mais de 200 empresas, muitas delas inteiramente desconhecidas e pertencentes sabe-se lá a quem. Toda vez que surge um concurso é comum ouvir-se dizer que, mais do que selecionar candidatos, as provas têm por objetivo proporcionar lucro a tais empresas que, segundo a crença geral, têm como operadores pessoas ligadas aos poderosos, especialmente aos políticos. Se no Enem, cujos resultados não produzem efeitos econômicos imediatos, houve a quebra de sigilo hoje conhecida, não é difícil supor que pessoas previamente escolhidas ou indicadas também podem ter conhecimento antecipado das provas de concursos para importantes cargos e nos vestibulares das instituições mais concorridas do país. É só uma questão de raciocínio! E se isso realmente estiver ocorrendo é um verdadeiro crime de lesa-pátria, pois são milhões os prejudicados. Pode até haver a infiltração de facções criminosas, tipo PCC ou Comando Vermelho, para fazer seus membros ou escolhidos passarem nos concursos e depois favorecê-las na função. Não dá para generalizar e dizer que todas as instituições promotoras de concursos e vestibulares não são idôneas nem seguras. Mas também não há a certeza do contrário. Ninguém tem a segurança para participar de uma prova – concurso ou vestibular – com a certeza de que não será enganado ou passado para trás. O Enem expôs publicamente essa ferida que, vez ou outra inflama, mas nunca chegou a sangrar tanto quanto agora. A sociedade espera, mais do que a punição dos envolvidos na fraude apurada, a união de esforços para a montagem de um sistema que garanta a credibilidade dos concursos públicos, sejam eles para ingresso no funcionalismo ou na universidade. Processos e empresas organizadoras devem estar sob a mais segura auditoria para evitar que tudo não passe de uma farsa e, pior que isso, de um estelionato. No caso dos concursos, para evitar sua utilização como simples negócio, quem deveria pagar o custo da seleção é a repartição contratante, jamais o candidato. Isso acabaria com a rentável farra de arrebanhar e explorar milhares de concorrentes para uma única vaga. (DIRCEU GONÇALVES – São Paulo/SP).

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