Parece mentira, mas a falta d’água em Pará de Minas vem se arrastando há 1 ano com acusações, conversas fiadas e abusos de poder. Diante disso, a reportagem GP saiu à procura de um especialista isento - que não estivesse de um lado, nem de outro - para falar sobre o assunto e acabou encontrando a professora e educadora ambiental, Sônia Naime. Não deixe de ler o que ela disse com exclusividade ao jornal da terra.
“Infelizmente, foi preciso uma estiagem e um verão sem chuvas para que ficasse exposta toda a fragilidade desse processo de controle do saneamento do município de Pará de Minas. É delicada a situação que se encontra Pará de Minas. Ficar furando poços artesianos por toda a cidade, na tentativa de encontrar pequenos olhos d’água para que eles, juntos, façam um volume maior de água para abastecer o município. Muitos bairros estão sobrevivendo das águas de minas e nascentes que se encontram em seus cantinhos. A cidade não tem um Plano B de reforço, mesmo que seja de águas estrangeiras, vindas de outro local e que possam ser captadas de forma uniforme e harmônica. Fragilidade total! Uma exposição de falta de planejamento muito grande. Agora eu pergunto: como reverter isto? E a resposta é uma só: esforço conjunto. Todo mundo tem que entender tudo o que está acontecendo, revendo o histórico deste processo e reconstruir, a partir desses erros, porque não existe uma forma de vivermos sem água”, ensina Sônia.
“Quando começar a chover novamente, iremos acalmar a questão,
mas não iremos recompor todas as nossas perdas”
“Os recursos naturais são infinitos, mas eles não deram conta de resistir à pressão e ao descaso do dia a dia. Estamos vivendo uma experiência que nos permite mudar de atitude, criar novo vínculo com a natureza. É um momento de muita reflexão, onde veremos que sem a natureza não somos nada. Temos que ver também o lado de gratidão para com o planeta. Se recebemos tudo abundante, limpo e farto, por que não preservamos? Se a água nasce limpa e saudável, por que ela não continua limpa e saudável? Por que, a partir da hora que a mão humana interfere nos cursos d’água, vira tudo uma bagunça? As negligências do passado estão nos fazendo pagar um preço caro. A hora é esta! Teremos de reconstruir, a partir dos nossos erros, porque um dia a chuva vai cair de novo, mas em outro, irá embora novamente. Logo, esse descompasso que criamos com a natureza precisa ser revisto. Temos que rever o modelo de desenvolvimento urbano”.
E O ASFALTO? – “Sabemos que a água da chuva infiltra onde cai, mas na área urbana está tudo cimentado e asfaltado. Podemos asfaltar e cimentar a área urbana, mas isso deve ser feito de modo sustentável com meios, equipamentos e matéria prima permeabilizantes para que permita que a chuva complete o ciclo hidrológico dela, chegando até ao lençol freático. Nesse lençol freático, essa água subterrânea precisa ser realimentada. A partir do momento em que deixamos a chuva equilibrada, nos momentos de seca teremos onde buscar água. Entretanto, grande parte da atual população ainda não presta atenção nesse tipo de coisa. É compromisso das autoridades e de quem administra a cidade o processo da água, ensinando, explicando e alertando a população sobre os riscos da falta d’água. A lei n° 12.864, de setembro de 2013, alerta exatamente sobre isso: a forma coerente de consumir a água”.
E AS ÁRVORES? – “Presenciamos neste período de falta de chuva algumas espécies arbóreas sobrevivendo à seca. São árvores bonitas que enfeitam a vida, encantam a alma e dão sombras. Se tivéssemos o compromisso de plantar mais dessas árvores, teríamos agora mais sombra e mais condições de termos um equilíbrio climático que melhoraria o nível de saúde pública, não só em termos da saúde física, porque neste tempo seco, sem chuvas e com queimadas por toda a parte, as pessoas se tornam mais estressadas, tristes e desanimadas. Então, todo esse processo de relação com a natureza tem que ser revisto. Esse susto que estamos levando, sem chuva, sem água e sem perspectiva, que é a pior coisa do mundo, serve para mostrar quão frágil Pará de Minas está nesse quesito. Quando começar a chover novamente, iremos acalmar a questão, mas não iremos recompor todas as nossas perdas. Ao retornarem as chuvas do próximo verão, teremos que ter um programa de reconstrução. Pará de Minas precisa e necessita ser mais sustentável. Precisamos de uma cidade que garanta qualidade de vida que é qualidade climática, ar puro, belezas visuais, ir e vir com conforto e beleza no perímetro urbano. Temos hoje no Brasil uma estatística estarrecedora e triste: 85% da população brasileira está nas áreas urbanas. Logo, uma pequena parte da população - 15% - vive na área rural, onde se tem realmente qualidade de vida”.
“Há 60 anos, o ribeirão Paciência tinha uma largura impressionante, um volume d’água absurdo e hoje não tem mais do que 9M de largura e,
no máximo, 60CM de altura da água”
“Pará de Minas chegou a este ponto por não termos planejado a cidade, por não termos mapeado os cursos d’água, por não termos identificados os pontos de água. Sem essas atitudes, sem esse comprometimento público com as coisas da natureza das quais depende a vida, não poderíamos ter uma situação segura e confortável. Precisamos ter conhecimento do nosso potencial hidrológico. Sei que a nossa hidrografia é muito rica, porém foi sucateada nesses últimos anos por negligência, por falta de visão de futuro e por falta de planejamento. O perfil hidrológico da cidade nunca foi identificado, nem publicado, porque, depois disso, nós teremos criado todo o compromisso de ter reservatórios que nos permitam, em época de seca, ter água na cidade, porque temos recursos para isso. A hidrografia de Pará de Minas necessita de ser mais pública”.
E O RIBEIRÃO PACIÊNCIA? – “O ribeirão Paciência nasce dentro de terras pará-minenses, percorre todo o município dividindo-o ao meio e temos as duas margens com as mesmas potencialidades. Ou seja, mata ciliar dos 2 lados, plantando áreas verdes, preservando os córregos que levam água ao ribeirão. Esses córregos já foram 36, há 25 anos, mas, volto a frisar, eles não foram mapeados e preservados. Com isso, foram secando, através do tempo, da invasão urbana, dos loteamentos irregulares, do aterramento e da cobertura por asfalto e cimento. Enfim, esses córregos foram se necrosando, o que fez com que a água do Paciência ficasse cada vez menos volumosa. Há 60 anos, esse ribeirão tinha uma largura impressionante, um volume d’água absurdo e hoje não tem mais do que 9M de largura e, no máximo, 60CM de altura da água. Isso significa que todos os afluentes, das duas margens, diminuíram, e muito, suas águas”.
DÁ PARA REVERTER? - “Sim, pois ainda não construímos e a especulação imobiliária ainda não chegou no topo das 12 serras que cercam a parte urbana. E é dessas 12 serras que nascem a grande maioria dos cursos d’água e que vão chegar na área urbana, no ribeirão Paciência. Nesse percurso, temos muitos nascedouros, pequenas nascentes que precisam ser mapeadas e potencializados para que na época das secas tenhamos onde recorrer água, sem o susto e a pressa de agora e, principalmente, sem ser de uma forma tão mal organizada e indisciplinada. Tem de ser feito, bairro a bairro, porque a hidrografia de Pará de Minas permite isso. Vou dar um exemplo: o bairro Castelo Branco é potencialmente forte, hidrologicamente falando, uma vez que em sua parte alta nascem 2 córregos que abastecem o Paciência, o córrego do Mimoso e o córrego do Garcia. Se preservados, fazendo ali um pequeno ponto de captação, eles produziriam água suficiente para abastecer o Castelo Branco e seu vizinho São Cristóvão. Essa captação descentralizada é o perfil hidrográfico de Pará de Minas que, além de ajudar nos períodos de seca, evitaria a especulação imobiliária. Então, vamos potencializar áreas verdes e vivas e iremos garantir os nascedouros das águas. O resto fica por conta da natureza. Pará de Minas está cometendo o mesmo erro de 30 anos atrás, quando a Copasa julgou que as águas do córrego do Arroz, onde era feita a captação para 40 mil habitantes, não seriam suficientes para o futuro e deixou que o córrego praticamente morresse. Hoje, a ideia da prefeitura e da Copasa é a mesma, buscar água no rio Paraopeba, esquecendo-se de nossos próprios córregos e nascentes”.
“O Aterro Sanitário custou apenas 1/3 do valor da multa que a Copasa deveria ter pagado (por não ter constuído a E.T.E.)”...
“Recentemente, vi uma entrevista do diretor da Copasa, Juarez Amorim, dizendo que a E.T.E. – Estação de Tratamento de Esgoto foi um presente da Copasa para Pará de Minas, mas isso é uma grande mentira. A E.T.E. foi o resultado de um processo da promotoria para com a Copasa e não um presente, como foi dito. Tudo começou em 2001, quando eu percebi que a Copasa estava tratando Pará de Minas de forma errada, quando fui visitar com alguns alunos a Estação de Tratamento de Água da Copasa. Vi um tanque cheio de lodo orgânico que necessitava de tratamento antes de ser devolvido para a natureza. Um aluno perguntou a um dos gerentes da Copasa para onde ia aquele lodo todo. Ele disse que não sabia, mas que iria buscar a informação. Passado algum tempo, ele informou que aquele lodo era jogado nas águas do ribeirão Paciência. O aluno questionou, então, que em outra cidade aquela água teria de ser novamente captada para tratamento e que seria um grande retrabalho. Descobrimos também que todas as residências da cidade que, na época, eram 27 mil, tinham seu esgoto sanitário jogado nas águas do Paciência. Essa informação se tornou de domínio público e o Ministério Público, através do promotor Charles Salomão, intimou a Copasa a dar uma destinação correta para esse esgoto e construir uma E.T.E. – Estação de Tratamento de Esgoto. Aí, a Copasa e o Ministério Público assinaram um T.A.C. - Termo de Ajustamento de Conduta, onde a Copasa seria obrigada a construir a E.T.E. até o ano de 2005 com pena de 5 mil reais por dia, caso descumprisse esse prazo. Entretanto, a data limite do T.A.C. passou, a E.T.E. não ficou pronta e a multa começou a ser contada, chegando 3 milhões e 800 mil reais. Nessa hora, a Copasa alegou que não tinha condições de pagar, mas, em compensação, iria construir o Aterro Sanitário de Pará de Minas. Foi uma obra muito importante, mas custou apenas 1/3 do valor da multa que a Copasa deveria ter pagado. Os outros 2/3 foram perdoados... E mesmo que a Copasa não tivesse sido obrigado pela promotoria a construir a E.T.E., construindo por vontade própria, não seria nenhum presente, mas sim um compromisso deles com o saneamento de Minas Gerais, visto que a água de Pará de Minas não é de Pará de Minas, porque elas correm pelo ribeirão Paciência que deságua no rio São João e este deságua no São Francisco que é um dos maiores e mais importantes rios do Brasil”.