Imagine que você presta serviços, para uma determinada empresa, durante um tempo, e não vê integralmente seu salário pago. Ou imagine que um motorista imprudente em alta velocidade ache por bem passar por cima de você, causando-lhe perda da capacidade de trabalho, por determinado período, gerando-lhe enorme prejuízo financeiro, físico e moral. Caso os referidos violadores de seus direitos resolvam não arcar com as conseqüências, espontaneamente, o remédio natural será buscar amparo judicial. Agora, imagine que os tais agressores não sejam pessoas comuns, simples cidadãos, muitas vezes desprovidos de condições financeiras. Faça de conta que este camarada é justamente um ente público: o município, o Estado Federado ou a União. O óbvio seria crer no imediato pagamento das indenizações, num curso normal. Reconhecida a responsabilidade do município que não pagou os salários ou da unidade da Federação, cujo veículo a seu serviço atropelou alguém. O mínimo esperado seria uma atitude protetiva do cidadão. Indenize-se, a fim de amenizar o mal causado. Ocorre que neste país, aquele que deveria dar o melhor exemplo é justamente o privilegiado dono de especiais poderes. Toda condenação judicial das entidades políticas (municípios, UF, União, DF) não precisa ser paga, assim de pronto. Elas entram na fila dos precatórios. Precatório é uma forma legal, constitucional até, de o Poder Público dar o cano. Os credores, após enfrentar anos de discussão judicial, passar por todos os transtornos e humilhações praticados pelas competentes equipes de advogados do Estado, ainda são obrigados a entrar numa infinita fila de espera, para receber. O credor encara toda sorte de recursos existentes em nossa estrutura judicial, sujeita-se a anos de espera, por uma decisão definitiva e, ainda depois de tal suplício, se vê no fim de uma longa fila de espera. Dizem-lhe: Devo, não nego; pago quando puder. Melhor seria dizer: Devo, não pago; nego, enquanto puder. Não é difícil encontrar-se ao fim desta epopéia apenas o espólio do credor, para receber. Aquele que sofreu violência física, psíquica ou econômica pelo Poder Público talvez não tenha expectativa de vida suficiente, para ver saldado seu crédito. Os precatórios são, enfim, a institucionalização do calote, a oficialização do estelionato. (BRUNO QUIRINO Divinópolis/MG).